30/01/2017

Vê se tá bom de açúcar



 Estava olhando para o nada quando eu passei por mim... naquele dia eu estava maravilhosamente linda. A visão do céu em seus melhores dias. Uma pintura simples, daquelas que o autor é desconhecido, mas que não passa despercebida por seus traços e a forma que transmite os pensamentos.

 E lá ia eu, fazendo da rua minha passarela, sem nem perceber o quanto era mágico assistir meu cabelo dançar quando o vento batia... e ficava melhor quando o sol imitava um holofote, usando de toda sua luz para me colorir... aquela luz os meus olhos consumia, fazia oscilar a cor... dependia do passo, da direção que o vento guiaria meu cabelo, dependia de uma sintonia que eu não conseguia prever... às vezes um castanho escuro, às vezes o que ouvi dizer ser âmbar, às vezes algo que eu idealizava demais para dar nome.

 Aí eu notei a pele cintilando, espelhava o sol naquele tom meio cobre que jurava ter luz própria – e posso afirmar que tinha –. Por fim, reparei em meus traços, no desenho, no preenchimento dos meus lábios, no formato meio bolinha do meu nariz... tudo parecia incrivelmente lindo, simétrico e eu nem estava sorrindo, mas podia imaginar o quão lindo meu rosto ficaria quando, em total sintonia, todo ele quisesse sorrir. Eu era a pessoa mais linda que eu já havia visto.

Outro dia eu passei por mim de novo... estava horrorosa! Tinha uma nuvem nublada em cima da minha cabeça ou era impressão minha? E por que ninguém me avisou que aquela roupa não ficava bem em mim?

 Outra coisa, há quanto tempo eu não penteava o cabelo? E o que eram aquelas bolsas embaixo dos meus olhos? Não bastava estar horrível, eu tinha que andar desengonçada... dava até vontade de gritar: alguém ensina essa garota a andar com postura? 

 Sem contar aquela espinha imensa entre minhas sobrancelhas! Detalhe: Que rosto inchado era aquele? Estava a cara do fofão! Para piorar meus lábios nunca tinham estado tão ressecados... e o nariz de bolinha era uma parte que não parecia pertencer ao meu rosto.

 Precisava de uma cirurgia plástica, urgente. Aliás, naquele caso, só nascendo de novo!

 Depois daqueles dias, decidi me olhar no espelho. Via-me, mas não pensava em nada. Indecisa, não enxergava mais minha beleza, também não me achava tão horrível. Não era nada e não queria ser. Era tudo e era cada vez mais. Como um café que enxergo amargo e vejo doce, tem que ver se tá bom de açúcar, precisa provar.

 Olhei para minha xícara, o cheiro não me chamava atenção, mas bebi porque achei que devia e gostei. Descobri que meu reflexo no espelho era aquela xícara, que eu era o café e que não importava como me via, sem me experimentar, não daria para saber se me gosto.

"Vê se tá bom de açúcar" entreguei minha xícara para mim.

 Bebi. Entendi porque de fora eu não via, precisava provar meu valor para mim. Então me provei naquele café. Tinha gosto de amor próprio. Só então tive vontade de provar cafés que não eram meus, amar todo café como aprendi a amar o meu. Não interessa a xícara. Basta ver se está bom de açúcar.

 Então te ofereço minha xícara, prove também de mim... e deixe que eu prove de você, mas antes prove de si mesmo. Tá bom de açúcar? Se estiver amargo ou melado demais, a gente se mistura... bebe um pouco do meu café e deixa que eu te mostre o que há de melhor no seu. Se estivermos dispostos a nos aceitar, uma hora o gosto vai ser bom e, cada café pode conter vários outros sabores de amor, descubra aquele que você deve guardar e você descobrirá vários outros para compartilhar. Só posso afirmar uma coisa, o gosto é incrível.

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3 comentários:

  1. Adorei a forma como você conduziu o pensamento no texto, eu leria esta crônica em um jornal! Adorei.

    Ass.: crise de riso no metrô

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  2. Olá Isabel
    Vim agradecer sua visita lá no bloguito e conhecer seu espaço.
    Amei tudo por aqui e essa crônica encantadora e reflexiva é mara!
    VC tem letras e palavras que cativam, parabéns :)
    Bjs Luli
    Café com Leitura na Rede

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